Friday, August 3, 2012: 3:00 PM
Faculty of Economics, TBA
O presente trabalho analisa criticamente as pré-noções sobre a água doce nas relações internacionais. A “crise da água”, as “guerras pela água”, a noção de “escassez” e de “direito à água” se tornaram ideias recorrentes nos estudos, relatórios e recomendações produzidos no âmbito das relações internacionais. Em especial, a escassez apresentada de forma geral e abstrata possibilita a ocultação das opções políticas e econômicas de apropriação, de utilização dos recursos hídricos e de hierarquização desses usos, excluindo a possibilidade de reflexão sobre as suas verdadeiras causas. Implica uma série de propostas pró-mercado, consubstanciadas essencialmente na atribuição de valor econômico à água, dogma que se pretende a solução ideal para racionalizar os usos da água. Configurou-se, desta forma, o fenômeno da mercantilização da água, que pavimentou o caminho para a difusão de seus corolários: a instauração de uma “governança”; a adoção de um sistema de full cost; a resolução de conflitos por meio de consenso; a gestão integrada com a participação de stakeholders; e o afastamento do Estado da função de prestador de serviços públicos para reduzi-lo ao papel de regulador e provedor da segurança jurídica necessária ao capital privado. Para os cidadãos, resta a possibilidade de se tornarem consumidores, condição indispensável para gozar do direito humano à água. Estas ideias em conjunto constituem a ideologia da economia ultraliberal aplicada à água doce, contribuindo para travestir os objetivos de determinados grupos sociais em definições do mundo social válidas universalmente, mascarando o sistema de relações objetivas dos quais decorrem. O referencial metodológico do trabalho é a sociologia de Pierre Bourdieu, em especial, as ferramentas teóricas da violência simbólica – como um conjunto de meios de coerção não materiais - e do programa de percepção, segundo o qual as palavras têm a capacidade de “prescrever sob a aparência de descrever ou de denunciar sob a aparência de enunciar”.